Acordar, tomar banho, trocar de roupa, comer, sair, pegar o ônibus, metrô, caminhar, faculdade. Dia-a-dia: acordar para aprender. Mas quem pode me dizer o que é importante a aprender? O céu, a água, o ar; mestres milenares disponíveis a todos sem custo algum. O espelho, labirinto infinito de questões irrespondíveis: existe desafio mais instigante e mais construtivo?!
Tão instigante e construtivo quanto O Outro, feito à sua semelhança. Nada mais primitivo do que segurar as mãos de alguém e só sentir. Sem tentar entender, aquela pulsação pulsa. Sem tentar entender, aquela respiração respira. Sem tentar entender, aquele ser é. E junto com ele, eu me conforto, pois sei que apesar de só, não sou única. Somos todos sós, porém, juntos.
E como eu e você, existe Lóri. Essa, como nós, possui medos infindáveis. Por conta disso, acabou por cortar de vez a dor, sem saber que assim, sofria-se o tempo todo. Pensava sobre cada movimento, buscando um modo certo e preciso de executá-lo. Acontece que, de tanto tentar acertar, tropeçava em seus próprios pés. Caía, mas sem sentir a dor da queda, não aprendia. O torpor tomava conta de seus dias, nos quais, ela, alheia a tudo e todos, era apenas uma figurante.
Isso se estendeu até o momento em que encontrou em alguém a matéria-prima para construir seu corpo. Seus braços e pernas, antes desastrados, começaram a tomar forma...
Mas para tanto, ela precisou ser paciente, não correr contra o tempo. Descobriu o mar, e toda a sua beleza. O mar, repleto de águas salgadas, que ela percebeu que também a preenchiam. Se nele havia beleza, nela também haveria. Teve que ouvir o que Clarice, através de Ulisses, tinha a dizer. Teve que remexer a ferida aberta, só então conseguiu tocar o que precisava.
Não é à toa que entendo os que buscam caminho. Como busco arduamente o meu! Quando estiver mais pronta, passarei de mim para os outros, o meu caminho é os outros. Mas, antes preciso tocar em mim mesma, antes preciso tocar no mundo.Trago para todos a quem interesse, parte do que é realmente preciso aprender.
"Olhe para todos a seu redor e veja o que temos feito de nós. Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceito o que não entendemos porque não queremos passar por tolos. Temos amontoado coisas, coisas e coisas, mas não temos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que já não esteja catalogada. Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora, pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas. Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos. Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo. Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda. Temos procurado nos salvar, mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de ódio, de ciúme e de tantos outros contraditórios. Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar nossa vida possível. Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa. Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença,
sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos o que realmente importa. Falar no que realmente importa é considerado uma gafe. Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer "pelo menos não fui tolo" e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia."
“Uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora de minha própria vida.”
- Anna Daniela, com referências à Clarice Lispector e sua obra "Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres".